Histórico linear com Git: rebase, merge, squash
Rebase ou não, eis a questão…
DISCLAIMER: Não me declaro exímio conhecedor de Git, muito menos alguém extremamente experiente com ferramentas de controle de versão. Este artigo está sendo escrito enquanto decido o que quero para os meus próprios projetos, e como enxergo a aplicação de cada “filosofia”, por assim dizer. O tema é controverso de maneiras que até me fugiam da cabeça.
Observação: Assume-se aqui um conhecimento decente de Git e de sua
terminologia. Alguns comandos serão exibidos, mas explicações sobre o que é
commit
, branch
, etc. não estarão presentes. Links para documentação serão
inseridos de forma branda.
O que é um histórico linear?
O histórico de commits de um repositório é dito linear (às vezes semi-linear)
quanto não há caminhos paralelos de desenvolvimento com mudanças visíveis. Ou
seja, tais mudanças seguem uma ordem estrita, se não cronológica, ao menos
sequencial. Em palavras mais sucintas, dá para seguir o histórico de commit
s
sem precisar dividir a leitura em “galhos” (branch
) em nenhum momento.
Exemplo de um histórico linear:
* a64cdd6 feat(bar): extend new feature
* 8bce4d5 feat(bar): introduce new feature
* 12757f0 feat(foo): send processed info to server
* f26b0a5 feat(foo): process some information
* 3016bae chore: starting this repository
Claramente as commits seguem uma ordem direta: 3016bae
, depois f26b0a5
, e
por aí vai até chegarmos à commit a64cdd6
. Perfeito para entendermos a
evolução do projeto, se pudermos contar com o fato das mensagens de commit
resumirem bem o propósito das mudanças que introduzem.
Projetos, mesmo de pequena escala, costumam implementar fluxos de trabalho que
— ao menos no papel — seguem a máxima de “crie commit
s frequentemente, e
para cada feature, um branch
”. Um git merge
aqui e ali, e criamos um
“mapa do metrô” no nosso histórico.
Se tentamos preservar a linearidade em casos como o descrito, antes de cada
merge
possivelmente virá um rebase
. No final, preferindo uma commit
de
merge a um fast-forward, nosso histórico toma a aparência outrora chamada
de semi-linear:
* 1d26fed merge: feature/bar into master
|\
| * be56591 feat(bar): extend new feature
| * ad2cf56 feat(bar): introduce new feature
|/
* 189e487 merge: feature/foo into master
|\
| * 36d49e6 feat(foo): send processed info to server
| * 1528f6c feat(foo): process some information
|/
* 3ad35f0 chore: starting this repository
Apesar de tecnicamente existirem caminhos paralelos, por via de regra somente um deles faz mudanças, enquanto o outro é um elo direto entre a base do caminho significativo, e o seu ponto final. Sendo assim, não perdemos a capacidade de seguir as mudanças feitas na árvore de arquivos em sequência.
Para tal, basta “planificar” o histórico acima. O resultado, sem contar os hashes de cada commit, é o mesmo do primeiro histórico apresentado. Os níveis, caminhos, camadas, como queira chamar, servem o papel de identificar, com uma olhada rápida, o começo e o final de cada super-etapa do processo de desenvolvimento, ou pelo menos os momentos em que paramos para revisar o que fizemos.
Mapa do metrô
Para quem não o conhece por esse nome, o seguinte exemplo configura o tipo de histórico que chamamos de “mapa do metrô”:
* 1805ccb merge: bar into master
|\
| * 9232bac feat(bar): more stuff
| * 87ddf92 feat(bar): do stuff
* | 2cb78b7 something changed again
* | 1e7e0e8 merge: foo into master
|\ \
| * | 4b0d990 feat(foo): add something else
| * | 51fb8b4 feat(foo): something something
| |/
* / 26339fc whoops, something changed here
|/
* f51dc43 chore: start
Perceba como fica difícil de ler o histórico como uma sequência bem ordenada das mudanças feitas no código. Não que isso não seja possível ou a maneira correta de usar o Git: muito pelo contrário, o Git foi feito com a capacidade de ligar diferentes ramos de desenvolvimento em mente, já que muitas pessoas trabalhando numa mesma árvore de arquivos não podem sempre parar para atualizar seus históricos locais. Em vez disso, trabalha-se na esperança de que no final não haverão conflitos de merge.
Qual o sentido do histórico para você? E o Git?
Antes de entrar no assunto de vantagens e desvantagens de um histórico linear, acho necessário tratar do propósito do histórico de commits, que, querendo ou não, tem um aspecto subjetivo. Apesar do Git ser um software de controle de versão, a pergunta “Que versões estamos guardando?” é mais do que pertinente.
Veja algumas possíveis respostas:
- Toda versão do código guardada por um desenvolvedor quando considerou as mudanças suficientes para criar uma commit.
- Toda versão do código que passa nos testes automatizados.
- Todo o trajeto de desenvolvimento do projeto, lido ou não de forma sequencial.
- Tudo que acharmos ser pertinente, mesmo que falhe nos testes, na compilação, ou até em seu funcionamento.
Talvez a intenção de cada resposta se explique pela intenção no uso do Git.
Queremos preservar a história como ela realmente ocorreu, ou queremos elaborar
uma história de desenvolvimento enxuta e compreensível? Se encontramos um bug,
caçamos a mudança que introduziu o bug usando git bisect
e testes
automatizados, ou só procuramos o pedaço de código que está causando problemas?
Na minha opinião, o histórico mostra a evolução do projeto e não o envolvimento de cada desenvolvedor. Digo isso porque vejo o histórico de mudanças como parte da documentação, e um documento com seções semelhantes espalhadas em 30 folhas de papel é mais difícil de ler do que se tais seções fossem aglutinadas em uma só lista.
O ideal é que nenhuma commit introduza erros, e hooks do Git podem ser usados
para rodar testes antes de criar commits novas, mas na realidade, seja por
descuido, por capricho, ou por conta do rebase
, frequentemente criamos
commits que deixam os testes a desejar. Este artigo
explica uma das desvantagens de se usar o comando git rebase
, mas o faz do
ponto de vista de quem usar o Git para descobrir a origem de algum erro, ou
como uma “rede de segurança”.
Pergunto ao leitor:
Defensores da estratégia de merge afirmam que são poucas as pessoas que sabem usar o comando rebase. Quantas pessoas você conhece que sabem não só da existência do bisect, mas também como o usar?
Usar o Git como ferramenta de debug depende não só de um teste bem escrito para o bisect, que é compatível até o seu ponto de partida, mas também de desenvolvedores que testam suas alterações antes de fazer qualquer commit. Isso lhe parece uma situação comum?
Defensores da estratégia de merge afirmam que fazer rebase é “reescrever a história”. De fato o é, mas se a história envolve alterações que quebram o processo de build ou de teste, o bisect não iria nos falhar de qualquer forma?
Podemos fazer squash das commits antes delas serem incorporadas e garantir que funcionem, gerando maior confiança no bisect, mas… isso não é reescrever a história do mesmo jeito?
É um artigo bem escrito e que traz um argumento interessante, mas que apela para uma competência maior do que a necessária para fazer um mero rebase. E afinal, se todo desenvolvedor testasse suas alterações antes de criar commits, por que teríamos builds de CI?
Situações práticas
Parece uma perspectiva pessimista e até arrogante, mas a maioria dos desenvolvedores, independente da empresa, criará commits sem fazer testes, sem revisar as próprias mudanças, sem atualizar o seu histórico local antes de criar seu branch. Não pense nisso como uma crítica, pois quem vos fala é culpado dos mesmos pecados. Em vez disso, enxergue minhas palavras como paráfrase do ditado “errar é humano”.
Partindo deste mútuo entendimento de que “vamos fazer besteira”, é possível imaginar as situações reais que podem surgir ao aplicar uma estratégia sobre a outra, e inclusive dar nomes aos resultados:
Vale-tudo, caos, ou dura realidade: preservar a história como ela é, mantendo qualquer alteração feita pelo desenvolvedor, mesmo que seu branch comece 80 commits atrás, e 80% das alterações a serem incorporadas são para a resolução de conflitos. Como não há squash e talvez nem builds de CI, não é possível garantir que toda commit do repositório passe na fase de testes.
- Não dá para ler o histórico sequencialmente.
- Não dá para encontrar erros facilmente com bisect.
- A história de cada desenvolvedor é preservada.
Mudanças espremidas ou bombas de código: fazer squash das commits antes de cada merge, com branches que podem ter partido de qualquer situação, já que ao final somente uma commit será incorporada. Assuma que builds de CI garantem que cada commit, que passa a ser uma bomba de código de potencialmente milhares de linhas, passe na fase de testes.
- Dá para ler o histórico sequencialmente, mas com bombas de código.
- Dá para encontrar erros com bisect, mas eles se escondem em grandes diffs.
- A história de cada desenvolvedor não é preservada.
Linearidade ainda que tardia: fazer um rebase antes de cada merge, garantindo que as mudanças a serem incorporadas possam partir da versão mais recente do seu destino, mesmo que isso signifique abandonar commits que antes passariam na fase de testes sem problemas.
- Dá para ler o histórico sequencialmente.
- Dá para encontrar erros com bisect, mas com chance de falsos positivos.
- A história de cada desenvolvedor não é preservada.
Ditadura do teste automático: linearidade já não é mais o foco, e sim a aprovação de toda commit na fase de testes. O desenvolvedor é obrigado a garantir que toda commit sendo enviada passe na fase de testes, e que não há conflitos de merge. Sob a pressão de não mostrar fraqueza e ser chamado de imbecil, ele faz todas as alterações de que precisa de uma vez só e roda os testes antes de enviar a sua única singela commit, que poderia muito bem ter sido resultado de um squash no momento da incorporação, como é o caso na situação 2.
- Dá para ler o histórico sequencialmente, mas com grandes chances de ver bombas de código.
- Dá para encontrar erros com bisect, mas eles vão quase que de certo se esconder em grandes diffs.
- A história de cada desenvolvedor é apavorante, mas preservada.
No momento estou apostando na situação 3 como a menos ruim.